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Poderá a vitamina D ajudar no combate ao cancro?

Foto do escritor: anacatarinaressanacatarinaress

A imagem acima mostra um rato geneticamente modificado utilizado com frequência para testar o crescimento das diferentes células cancerígenas nele implantadas.
A imagem acima mostra um rato geneticamente modificado utilizado com frequência para testar o crescimento das diferentes células cancerígenas nele implantadas.

Pelo menos, um novo e intrigante estudo realizado com ratos sugere que sim. De qualquer modo, testar se os mesmos mecanismos funcionam no ser humano exigirá mais estudos, acautela o português Caetano Reis e Sousa, um imunologista do Instituto Francis Crick envolvido nesta investigação.


O nosso sistema imunitário é um dos nossos maiores aliados na supressão do desenvolvimento do cancro no nosso organismo, mas precisa frequentemente de um empurrãozinho. Uma das formas de fazê-lo é utilizando uma classe de fármacos denominados inibidores do ponto de controlo. Estes medicamentos destravam determinadas células imunitárias – chamadas células T assassinas — que tentam matar as células cancerígenas. Podem ser um tratamento muito eficaz para determinados cancros da pele, pulmões e rins, mas infelizmente não funcionam em todos os pacientes. Uma série de estudos publicados em 2018 demonstrou que o microbioma dos pacientes poderá estar relacionado com os resultados. As pessoas que reagem ou não à terapia com inibidores do ponto de controlo possuem diferenças nas bactérias geralmente presentes no intestino. Em 2021, dois estudos descobriram que transferir micróbios de matéria fecal de pessoas que reagiam à terapia para o intestino daquelas que não reagiam poderia melhorar os benefícios terapêuticos nestes últimos pacientes.


Agora, uma descoberta inesperada em estudos com ratos publicada na edição de 25 de Abril da revista Science, sugere outro factor que poderá explicar porque as pessoas reagem de forma diferente à terapia para o cancro: o nível de vitamina D no tecido intestinal pode promover a presença e o crescimento de determinadas bactérias que estimulam as células T a atacar o cancro. A vitamina D, que podemos obter através da nossa dieta – consumindo alimentos como peixes gordos ou gema de ovo – ou produzir através da exposição da pele à luz solar, desempenha um papel essencial no nosso metabolismo e na saúde dos nossos ossos, músculos, nervos e sistema imunitário. Existiam também evidências de que poderá desempenhar um papel protector no cancro, mas, mesmo assim, as novas descobertas em ratos foram uma surpresa. Testar se os mesmos mecanismos funcionam no ser humano exigirá mais e cuidadosos estudos, diz Caetano Reis e Sousa, um imunologista do Instituto Francis Crick em Londres, em Inglaterra, e autor sénior do estudo, mas é uma hipótese que merece ser investigada. “A vitamina D tem impacto na actividade de centenas de genes, por isso é complexo”, diz Reis e Sousa. No entanto, em vários conjuntos de datas analisados por Reis e Sousa e os seus colegas, os pacientes com maior actividade de vitamina D demonstraram maiores probabilidades de sobreviver a diversos cancros e reagiram melhor à imunoterapia.


Os investigadores também descobriram evidências de que, na Dinamarca, onde a luz solar que ajuda o ser humano a produzir vitamina D através da pele, é relativamente rara, registos de saúde pormenorizados revelam que as pessoas com deficiência de vitamina D tinham um risco elevado de desenvolver cancro ao longo da próxima década. “É provavelmente uma estimativa por baixo”, diz Reis e Sousa, “porque, pelo menos, algumas dessas pessoas devem ter decidido tomar suplementos de vitamina D depois de descobrirem essa deficiência.

Este estudo fornece mais uma razão para se assegurar de que produz ou consome vitamina D suficiente, diz Carsten Carlberg, bioquímico da Academia Polaca das Ciências, em Olsztyn, que tem estudado os impactos da vitamina durante décadas e não participou no estudo da Science. No entanto, ele alerta que é insensato tirar conclusões precipitadas sobre os seres humanos com base nas descobertas feitas nos ratos. “Setenta e cinco milhões de anos separam-nos dos ratos.”

Uma observação intrigante


Há muito que Reis e Sousa se interessa pelos genes que afectam a capacidade do sistema imunitário para atacar as células cancerígenas. Para identificar estes genes, os investigadores do seu laboratório trabalham com ratos nos quais foi desactivado um gene que suspeitam estar envolvido na promoção ou supressão do cancro. Transplantando células cancerígenas para estes ratos modificados, eles conseguem acompanhar o tempo que as células demoram a desenvolver um tumor. Quando o seu colega Evangelos Giampazolias, actualmente no instituto Cancer Research UK Manchester Institute, descobriu que desactivar o gene que dá as instruções para produzir a proteína de ligação à vitamina D reduzia o crescimento das células cancerígenas nos ratos, Reis e Sousa ficou intrigado. Mas foi a experiência seguinte, diz, “que “chamou mesmo a minha atenção”. Para garantir que as descobertas não se deviam a alguma particularidade do ambiente no laboratório, a equipa de Reis e Sousa criou ratos com o gene desactivado na mesma gaiola que os ratos que possuíam uma versão inteiramente funcional. Para sua surpresa, os tumores dos companheiros de gaiola também cresciam mais devagar. Por que razão a proximidade de um animal mais resistente ao cancro abrandaria o crescimento de um tumor em ratos normais?


O poder das fezes


Giampazolias e Reis e Sousa não demoraram a lembrar-se de que os ratos comem as fezes uns dos outros e que algo nessas fezes deveria ter sido transferido dos ratos com o gene desactivado para os ratos normais com que partilhavam a gaiola – e isso era uma possível explicação para o sucedido. Para testar se o efeito tinha algo a ver com os micróbios intestinais que viviam nos ratos geneticamente modificados, a equipa de Reis e Sousa administrou antibióticos aos ratos com os genes activados. Quando isso fez desaparecer a resistência ao cancro, bem como a sua capacidade de a transmitirem aos seus parceiros de gaiola, tornou-se claro que as bactérias intestinais presentes nas fezes dos ratos estavam, de alguma forma, a abrandar o crescimento tumoral. A proteína de ligação à vitamina D mantém a maior parte da vitamina D no sangue, explica Reis e Sousa. “Isto reduz a quantidade de vitamina D que chega aos tecidos, incluindo os que revestem o intestino.”


Os níveis mais elevados de vitamina D alcançados pela desactivação do gene que codifica a proteína de ligação à vitamina D promoveram o crescimento e a presença de uma bactéria específica, afragilis, também comum no cólon humano. E essa bactéria, explica Reis e Sousa, pode estimular o sistema imunitário. Desactivar o gene, aumentar a quantidade de vitamina D na alimentação de ratos geneticamente modificados ou acrescentar mais Bacteroides fragilis ao intestino dos ratos teve o mesmo efeito: a existência de mais células T atacando o tumor e abrandando o seu crescimento. Devido a esses níveis mais elevados de vitamina D, os ratos também demonstraram uma melhor reacção à imunoterapia. “Ainda não sabemos como as bactérias fazem isto”, diz Reis e Sousa. “Mas o efeito é inquestionável.”


Novas terapias


Reis e Sousa, que é de origem portuguesa e cuja compleição mais escura significa que produz menos vitamina D numa Londres com pouco sol, descobriu que tinha falta da vitamina há cerca de uma década e toma um suplemento desde então. “Regra geral”, diz, “se formos diagnosticados com uma deficiência de vitamina D, parece sensato tentar corrigi-la. Mas isso não depende deste estudo, evidentemente.” Ele acrescenta que as pessoas devem sempre consultar o seu médico de família antes de tomarem suplementos vitamínicos – mesmo que saibam que têm deficiência de vitamina D – até o impacto dos suplementos de vitamina D sobre o risco de cancro e outros aspectos da saúde humana ser mais conhecido. “Poderá haver efeitos negativos que ainda não descobrimos, como um aumento de doenças autoimunes.” O investigador também não aconselha as pessoas a passarem demasiado tempo ao sol na Primavera para sintetizarem vitamina D. “Não recomendamos o aumento da exposição solar, que também pode aumentar o risco de cancro de pele, anulando qualquer efeito. Não precisa de tomar banhos de sol para obter vitamina D. Dar um passeio deve ser suficiente.”


Mais importante, diz Reis e Sousa, o estudo poderá inspirar novas investigações para descobrir se os suplementos de vitamina D ou de Bacteroides fragilis podem melhorar os resultados de pacientes com cancro que estejam a fazer imunoterapia ou outros tratamentos.

Walter Willett, médico e investigador nutricional da Faculdade de Saúde Pública T.H. Chan de Harvard, que não participou neste estudo concorda que os dados do novo estudo de Reis e Sousa sugere potenciais benefícios da vitamina D nos pacientes humanos com cancro. “Isto é compatível com algumas das nossas próprias descobertas. Descobrimos riscos mais baixos de cancro colo-rectal em mulheres com níveis de vitamina D mais elevados no sangue. Também estive envolvido num ensaio clínico que demonstrou uma diminuição da mortalidade causada pelo cancro em pessoas que tomavam suplementos de vitamina D.”


Willett acha que os suplementos de vitamina D são provavelmente uma boa ideia. “Faz sentido que a maioria das pessoas que vivem em climas setentrionais tomem suplementos de vitamina D e não se dêem ao trabalho de testar os seus níveis da vitamina. A melhor forma de o fazerem é com um suplemento multivitaminas/multiminerais que contenha 800 ou 1.000 doses internacionais de vitamina D, que custa menos de 10 cêntimos por dia.

Ainda é preciso confirmar se os benefícios da vitamina D no ser humano são mediados pelo microbioma, acrescenta Willett. “Isso exigirá novos e maiores estudos, realizados ao longo de vários anos.” Muitos médicos estão actualmente a explorar se será benéfico manipular o microbioma para melhorar a terapia para o cancro, diz Reis e Sousa. “Poderá ser incrivelmente bem-sucedido na melhoria dos resultados terapêuticos. Mas também pode ser perigoso, sobretudo quando as pessoas estão imunodeprimidas. Esperamos que as nossas descobertas possam conduzir a aplicações terapêuticas mais refinadas.”


Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.


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